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O caçador de desafios

Por Laura Conceição e Ped perguntou, por telefone, o diretor da Faculdade de Comunicação da UFJF à época, Fernando Fiorese. O cargo de técnico de áudio e vídeo do estúdio de TV havia ficado vago poucos dias antes, já que o antigo técnico recebeu uma proposta e foi trabalhar na Rede Globo no nordeste do país. O ano era 2003. O desafio em questão se dava por conta da ilha de edição do estúdio, que era linear. Em vez de utilizar softwares de edição nos computadores, os cortes eram feitos de forma analógica, através de videocassetes. Outra dificuldade era que, como o próprio nome diz, não era possível alterar a ordem do vídeo. O “tempo” era linear. A “cena 1” gravada no começo da fita não poderia ser colocada após a “cena 3”, por exemplo.


Gilmar David Santos passou mais da metade dos seus 45 anos de vida trabalhando na Faculdade de Comunicação da UFJF (Foto: Arquivo pessoal)

“Você aceita o desafio?”, perguntou, por telefone, o diretor da Faculdade de Comunicação da UFJF à época, Fernando Fiorese. O cargo de técnico de áudio e vídeo do estúdio de TV havia ficado vago poucos dias antes, já que o antigo técnico recebeu uma proposta e foi trabalhar na Rede Globo no nordeste do país. O ano era 2003. O desafio em questão se dava por conta da ilha de edição do estúdio, que era linear. Em vez de utilizar softwares de edição nos computadores, os cortes eram feitos de forma analógica, através de videoscassetes. Outra dificuldade era que, como o próprio nome diz, não era possível alterar a ordem do vídeo. O “tempo” era linear. A “cena 1” gravada no começo da fita não poderia ser colocada após a “cena 3”, por exemplo.

“Já que é desafio, vou aceitar. Sempre quis desafios”, respondeu Gilmar David Santos. Após retomar os estudos abandonados na adolescência e terminar o ensino médio com 31 anos em 2003, ele havia decidido largar o emprego no setor de apoio e limpeza da mesma Faculdade de Comunicação, onde até então havia trabalhado por 8 anos, para buscar um emprego melhor. Quando recebeu a ligação de Fiorese haviam se passado apenas duas semanas da sua saída.

“Na época era muita responsabilidade. A ilha de edição linear era uma bomba que ninguém queria pegar. Para montar um caractere precisava de seis alunos! Hoje no computador é moleza”, lembra Gilmar, 15 anos depois, sentado em uma cadeira no meio do ainda bagunçado estúdio de TV do novo prédio da Facom, inaugurado em março de 2018.

Gilmar responde às perguntas interrompendo frases para gargalhar enquanto relembra o passado. A rapidez com que fala contrasta com quem é no seu cotidiano de trabalho: dono de uma paciência aparentemente inabalável, ele se tornou uma espécie de faz tudo da Facom em relação à edição de imagens, problemas técnicos e toda sorte de dúvidas envolvendo algum tipo de tecnologia. Com passos curtos, do alto de seus cerca de 1,69m, é comum ver Gilmar, sem nunca apressar o passo, indo ajudar algum professor que perdeu metade da aula tentando fazer uma projetor funcionar. Seu programa de edição fechou sozinho e você não sabe o que fazer? Chama o Gilmar. O som do seu VT não está saindo por algum motivo obscuro? Lá vem ele te salvar.



A pergunta é inevitável: Gilmar, como você sabe tudo isso? “Até fiz alguns cursos de edição de vídeo e fotografia, mas não tem segredo: essas coisas só se aprendem na prática”, diz. O “desafio” da edição linear não foi tão desafiador assim, pelo menos para ele, que diz ter dominado todo o processo em cerca de 3 meses.

Com a experiência acumulada ao longo dos anos surgiu a “Gilmar David Produções”, que faz filmagens e fotografias de casamentos, festas de aniversário e eventos em geral. Na empreitada, Gilmar cruza e entra na área para cabecear: é ele quem capta as imagens, edita e finaliza o material.

Apesar da afinidade com o audiovisual, a “Gilmar David Produções” surgiu de forma curiosa: a mulher Joana há algum tempo cobrava de Gilmar que tirasse fotos da filha que nascera há poucos meses. “Um dia cheguei em casa, liguei a TV e estava passando uma propaganda da Tekpix. Foi a primeira câmera que eu tive.” Em uma busca rápida no YouTube, a “filmadora mais vendida do Brasil”, como pregava sua onipresente propaganda na TV, aparece em uma publicidade do início dos anos 2000 sendo vendida em 36 parcelas de R$29,90. “A Tekpix era fraquinha, mas as máquinas profissionais eram muito caras na época. Era o que dava para comprar”, lembra.

Com a Tekpix em mãos, Gilmar começou a filmar as festas e reuniões da família e de amigos, editar as imagens e gravá-las em DVD. As pessoas gostaram do resultado, o que serviu de incentivo para que a atividade continuasse. Atualmente, a “Gilmar David Produções” faz, em média, seis eventos por mês.

Pai do David, 21, e da Graziella, 13, ele se casou cedo com Joana Darc, quando tinha 21 anos. “Eu conheci a Joana em uma festa que teve no São Pedro, ela olhou pra mim e eu olhei pra ela e começamos assim. Passou um tempo e eu fui levar minha irmã no colégio e ela estava lá, depois disso começamos a conversar. Quando eu casei, eu não tive álbum de casamento. Antigamente era difícil ter poder aquisitivo para essas coisas. Então eu sempre tive na cabeça, que, se algum dia trabalhasse nessa área, iria ajudar as pessoas. Tem vídeo de casamento que fiz há dois, três anos atrás e ainda não recebi nada. Mas a foto da noiva está na página do Facebook, o vídeo no canal do Youtube”, diz Gilmar.

Por falar nele, o canal da produtora no YouTube é uma espécie de xodó do técnico de som e imagem/empresário do audiovisual. Basta puxar assunto sobre algo do noticiário nacional para Gilmar mencionar algum vídeo que postou recentemente sobre o tema no canal. Com 32 mil inscritos e mais de cinco milhões de visualizações no total, o canal serve de hospedagem não apenas para os vídeos das festas e casamentos, mas também para vídeos que Gilmar pesca na internet ou recebe de terceiros e julga relevante ajudar a divulgar.

Entre os vídeos mais recentes do canal estão a íntegra do depoimento prestado pelo ex-presidente Lula no dia 04 de junho ao juiz Marcelo Bretas, a repercussão da saída de Pedro Parente da Petrobrás e o vídeo “Plataformas P-59 e P-60, vendidas pela Petrobrás por menos de 10% do seu valor de construção, seguem para Dubai”. Três vídeos postados recentemente sobre a greve dos caminhoneiros têm, somados, mais de 2 milhões de visualizações. Além de querida, a atividade é lucrativa: Gilmar espera receber cerca de 800 dólares de pagamento por publicidade do YouTube apenas em relação ao mês de maio de 2018.

INFÂNCIA DE LUTA


Nascido e criado no Bairro São Pedro, Gilmar tinha 8 irmãos e em virtude disso, começou a trabalhar muito cedo “eu estava com 12 anos quando chegou um cara procurando alguém pra trabalhar com ele e meu irmão mais velho me levou. Eu trabalhava de servente de pedreiro ”

BOM DE BOLA



Gilmar sempre teve uma afinidade com o futebol, chegou a jogar em alguns times da cidade e obteve bons resultados “Eu torço pelo Flamengo, lá em casa todo mundo é flamenguista e futebol sempre esteve presente na minha vida”. Junto com alguns amigos fundou o time “camarões” do Bairro São Pedro. “Uma vez estávamos perdendo de 3x0 para o time do Serra Azul e eu cheguei do quartel, entrei em campo e meti 4 gols no jogo, saindo do trabalho, e viramos para 7x3”. Depois jogou no Time do Bahamas sendo campeão invicto no campeonato da cidade alta.


Mesmo não se tornando jogador profissional, sempre jogou com muita raça e disposição: “Eu só não fui profissional porque não tive apoio dos meus pais. Um olheiro uma vez me propôs de ficar 6 meses no tupi e depois ir direto pro Botafogo, ai eu cheguei em casa e meu pai não me deu nem ideia, eu tinha 12 anos e jogava sem apoio mas eu tinha condição de ser profissional”

DA ROÇA À ROÇA

Quando Gilmar se casou com sua esposa ele era evangélico e ela pertencia a outra religião. “Quando eu noivei com ela, o pai dela era de um centro de umbanda e meus pais queriam que eu noivasse com uma moça evangélica”. Depois de um certo tempo de casados eles começaram a frequentar igreja evangélica Congregação Cristã do Brasil. “Lá é tudo trabalho voluntário, ninguém paga nada nem recebe nada, para pregar não pode ter envolvimento político. Eu ajudo lá, montando o som e monitorando as reuniões”.

Apesar de trabalhar diariamente com tecnologia, no tempo livre, Gilmar gosta de praticar atividades bem diferentes de seu ambiente de trabalho e longe da cidade “Eu crio galinha lá em casa, eu tenho pé de chuchu, taioba e limão, mexo com pintura também, isso pra mim é hobbie, eu não consigo ficar parado, sou muito elétrico. Eu, meu irmão e dois primos compramos uma roça pra quando aposentarmos. Eu vim da roça e quero voltar pra roça”.

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