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Uma vida por trás das artes

Ana Paula na infância

Por Bárbara Delgado e Sabrina Soares

Ana Paula Brigatto Polastri Resende desde criança teve aptidão para as artes, sempre gostou de criar e explorar os elementos a sua volta. Além de artesã, Ana também é musicista, canta e toca, e também se aventura nas artes culinárias. Hoje, quase completando os seus 50 anos, ela trabalha em um ateliê no centro de Juiz de Fora e ensina ponto arraiolo para senhoras. Mais do que uma aula, o ambiente é um momento de encontro onde se dividem experiências, histórias e muita alegria.

 

Ana nasceu em Juiz de Fora, no dia 16 de agosto de 1968. Filha de Marilena Brigatto Polastri e Paulo Polastri, tem um irmão, Antônio Eduardo Brigatto. Casada desde 1987, com José Carlos Resende, ela tem 3 filhos, Thais, Hugo e Isa. A artista aprendeu ponto arraiolo há mais de 25 anos e não parou. A arte surgiu em Portugal, há cerca de 600 anos, por tapeteiros muçulmanos.

Como tudo começou

O artesanato esteve presente desde a infância na vida de Ana Paula, as influências da sua mãe que era bordadeira, despertaram o interesse pela arte. Segundo ela, sua mãe dizia que é preciso ter um dom e ao ver os bordados, Ana começou a desenvolver alguns trabalhos manuais e passou a fazer seus próprios desenhos, como patinhos, casinhas, bonecas, entre outros. “Tem uma massinha que chama Durepox e eu pegava as bolinhas de gude e colava o Durepox, eu sempre inventava moda. Um dia fiz bonequinhos com essas bolas e comecei a vender, a produção era grande e eu tinha apenas 10, 12 anos”, comenta. Além de vender, nos Natais, a artesã sempre presenteava seus familiares com suas criações no artesanato e sempre teve incentivo para continuar produzindo.

 

A infância de Ana Paula foi recheada de boas recordações. Suas criações ganhavam forma quando estava em companhia de suas amigas, elas inventavam mais produtos para as brincadeiras.  “Quando eu morei em Belo Horizonte, eu fazia roupas de boneca com minha amiga, sempre tinha roupinha nova para as Susis, na minha época não era a Barbie. Eu costurava em tecido e minha outra amiga em crochê”, lembra.

Invenção de moda

Aos 12 anos, ela começou a costurar suas próprias roupas. Sua avó era costureira e deu um lençol de um tecido mais grosso e a partir daí, o lado estilista surgiu em Ana Paula. “Eu me lembro que comecei a namorar meu esposo com 18 anos e dei de presente de Dia dos Namorados uma calça e uma blusa que eu mesma costurei, tenho fotos até hoje.” As revistas eram usadas como moldes para os looks, mas, a jovem nunca aprendeu com ninguém o jeito certo de costurar, sempre tinha ideias e as colocava em prática. “Eu nunca aprendi com alguém, minha avó me dava uns toques e minha mãe dizia que: a roupa por fora estava 'bela viola, por dentro, pão bolorento'. Às vezes eu não fazia um acabamento tão bonito e já queria sair com aquela peça.”

 

As inspirações de looks eram sempre baseadas na moda da época da década de 1980 e 1990 e não tinha um ídolo para se inspirar. “O que eu tinha de material eu pegava pra fazer, fazia blazers, blusas, calças e, até hoje, se eu quero fazer uma coisa, eu não vou lá comprar o material, eu sempre improviso. Eu invento moda e faço”, comenta. O inverno está chegando e a cachorrinha de Ana paula também ganhou uma roupa para se aquecer, o material usado foi um jogo americano de lã que não havia sido usado.

 

Antes de começar sua carreira profissional como artesã, Ana trabalhou como professora em uma escola em Juiz de Fora e, ao longo de sua vida, também fez trabalhos com as crianças na igreja que participa e ficou apaixonada por elas. Com o seus três filhos, ela buscava sempre levar esse lado artístico como um incentivo na vida deles. “Nós fazíamos jogo da memória, sempre fomos envolvidos com isso. Se ia fazer uma pizza, cada um deles pegava uma hora na massa. Uma vez fizemos um jogo americano pra família inteira com pinturas, panos de prato e eles gostavam demais disso.”

O lado musical

A veia artística também estava presente no lado musical. Com apenas 12 anos, Ana Paula encontrou na casa de sua avó uma flauta que era do seu avô. “Eu comecei a assoviar, pegar umas notas e minha família ficou toda feliz. Um dia meu pai pegou a flauta e mandou arrumar, tinha 28 anos que ela estava parada e precisava de uns ajustes. Eu toquei com ela até os meus 15 anos.” Depois de descobrir o seu talento na música, o tempo passou e ela ganhou uma nova flauta que é a mesma que ela toca até hoje em casa, na igreja e com os amigos. “A flauta do meu avô ainda está na minha casa, ela tem mais de 80 anos e é toda de prata. Já a minha está comigo há 35 anos e ela é de segunda mão”, disse. Ana nunca fez aulas de música ou do instrumento, sempre “tocou de ouvido”, ouvia as músicas e louvores, tentava pegar o ritmo e as notas musicais. “Quando uma das minhas filhas foi fazer intercâmbio em Portugal, eu passei um pouco de aperto. Eu já estava acostumada como o jeito dela tocar e acompanhar. Até pegar com os irmãos da igreja, foi um pouco difícil, mas consegui, eu preciso ouvir. Se me falarem que é em Dó, eu não vou saber. Quando eu vejo, eu já toquei.” O violão também faz parte do seu dia a dia, ela aprendeu a tocar na mesma época da flauta. “Na minha casa nós gostamos de cantar, cada um pega um tom e fica harmônico.”

A arte presente na culinária

O amor pelas invenções também está presente na culinária. Desde sempre ela gostava de envolver os filhos e amigos para fazer lanches e comer na sua casa. “Eu nunca fiz aniversário dos meus filhos em salão, sempre fazia um quibe assado, um cachorro quente com pão de sal, uma tortinha de liquidificador e bolos. O que tem na geladeira, eu pego e faço.” Ana Paula também começou a fazer palha italiana durante o período de estudos da sua filha mais velha, que vendia no colégio e depois na faculdade, para ajudar complementar na renda. Depois disso surgiu os bombons de palha italiana que fizeram sucesso entre familiares e amigos. “Eu não parei de fazer, mas não faço mais do jeito que fazia antes. Porque às vezes não vale à pena pelo valor que se gasta e que se vende. Temos um trabalho de comprar todos os ingredientes e o processo em si é um pouco trabalhoso”, acrescenta.

A criatividade em outras áreas

Mesmo o arraiolo sendo o principal foco de trabalho para Ana, sua aptidão para artes e o gosto de exercitar a criatividade a permite explorar outros âmbitos. “Qualquer coisa que falam: Ana você faz? Eu faço. Eu gosto de tudo que é coisa de costura, lá em casa, por exemplo, comprei um sofá cinza, horroroso. Meu sofá antigo era mostarda, estava velho, fui mandar arrumar ficava muito caro, achei melhor levar ele para roça e comprar um novo. Eu pago de 10 vezes é muito melhor, comprei pela internet, chegou aquele negócio e eu achei horrível. Minha sala estava toda descombinando, os assentos da cadeira combinavam com a cor do sofá mostarda. Outro dia, cismei, fui à rua e comprei um tecido cinza claro, comprei aquela máquina de grampear, desmontei minhas cadeiras e troquei a cor. Ficou tudo novo. Também fiz duas almofadas para combinar com o sofá. Eu gosto de fazer coisas assim”, disse.

Restaurando com amor

Além de criar, Ana também se descobre restaurando. “Para tudo tem jeito. Essa semana eu restaurei uma Bíblia minha que estava ruim, fiz uma capinha bonitinha. Na igreja, uma moça viu e pediu que eu também fizesse para ela, já que a dela estava toda arrebentada, eu colei, fiz uma capa de couro. Olhei para a Bíblia de um outro irmão e perguntei se ele queria que arrumasse. Nisso, outra pessoa pediu para que eu restaurasse. Me perguntaram quanto eu cobro, eu cobro muita oração pela minha vida (risos). Como eu que eu vou cobrar numa coisa que eu sinto tanto prazer em fazer?”

O ponto arraiolo

Suas histórias com o tapete arraiolo começaram em 1990, em Belo Horizonte, quando Ana foi visitar os sogros e ficou sabendo que uma loja estava ensinando fabricar esses tapetes. “Eu já conhecia o material desde 1986, porque fui em uma casa de amigo e eu fiquei doida, eram lindos os tapetes e depois de todo esse tempo, descobri que era possível fazer. Eu fiquei apaixonada e me interessei em fazer as aulas e aprendi.” Ela voltou para Juiz de Fora com alguns materiais e algumas pessoas começaram a se interessar, a partir daí, ela começou a vender. Em janeiro de 1991, Ana Paula e seu esposo, José Carlos, abriram uma loja na Avenida Getúlio Vargas e passou a dar aulas sobre a fabricação de tapete arraiolo. “A demanda foi ficando grande e algumas pessoas pediam o par do tapete, mas eu não tinha como fazer, porque os moldes vinham de BH. Então, eu arrumei um jeito e eu mesma aprendi a fazer esses moldes nas telas”, afirma.

 

Um tempo depois, eles compraram outra loja, mas tiveram alguns problemas e não conseguiram manter. Perderam a loja e tiveram o carro roubado. O ponto arraiolo foi a maneira que encontraram para superar a situação. “Quando nós fechamos a loja, ele trabalhava com vendas, na época, roubaram nosso carro com todo material. O carro não estava pago, ainda tinha mais de 20 prestações e não tinha seguro. Ele vendia brincos, vendia aqui na região, era representante, viajava muito, a semana toda. Quando ele chegou, colocou o carro na rua para economizar estacionamento, era dia de Festa Country, estava com tranca e não tinha chave para tirar, nós fomos em casa buscar a chave para tirar a tranca, quando voltamos o carro não estava lá. Nunca mais o vimos, tivemos que terminar de pagar o carro e o Zé ficou mais de 2 anos sem trabalhar, só com o tapete. Mas, em tudo eu vi que a mão do Senhor Deus nos sustentou, sempre foi Ele."

O Ateliê

Em 1997, ela foi chamada por uma amiga para atuar em um Ateliê, dando aulas de tapete, onde continua trabalhando até hoje. “As alunas sempre chamaram outras pessoas, a maioria delas está comigo há pelo menos 10 anos. Quando eu estava na loja, não tinha essa aproximação. Aqui, nós contamos experiências, conversamos, nos divertimos”, ressalta. Ana Paula também fez um curso de prótese, mas não quis ficar na área. “Aqui eu me sinto feliz. Recentemente, uma senhora de 88 anos começou a fazer aulas e disse que já me procurava há anos e só agora me encontrou. Eu acho lindo esse interesse da parte delas.”

 

As aulas funcionam como terapia, a maior parte das alunas, tem mais de 80 anos e muitas delas já aprenderam a fazer, mas, continuam a frequentar as aulas, porque gostam de estar ali envolvidas com outras pessoas. “Eu não tenho esse ânimo para fazer tapetes enormes, porque não é tão simples e elas são animadas, estão sempre fazendo planos”, disse. Os tapetes já ajudaram em tratamentos de depressão, ansiedade e pessoas com algumas paralisias que conseguiram fazer os tapetes. “Algumas delas já ficaram até 4 horas da manhã fazendo. É uma companhia, onde você está, você consegue fazer.”

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A satisfação no trabalho

Para Ana, o ateliê não é apenas uma forma de ganhar dinheiro ou só um trabalho. “Eu sinto que tenho alegria em levantar de manhã, em pensar que vou desenhar tapete para tal pessoa, sinto alegria e paz de passar essa arte! Eu tenho a satisfação de vir para o ateliê, não tenho preguiça de trabalhar, acho uma delícia. Lá em casa eu tenho tapete para bordar. Tinha uma aluna que já faleceu e ficou o tapete para acabar, eu tenho o maior prazer de mexer no tapete da Vanda, nem estou com vontade de acabar ele logo”. As atividades extrapolam as telas. Anualmente é realizada uma confraternização com todas as alunas e durante o ano todo muitas dinâmicas são feitas com elas. “Nós também fazemos atividades fora da aula, outro dia fomos em São José das Três Ilhas, lá em Belmiro Braga. Nós arrumamos uma “compração”, a van volta lotada e elas me enchem de presente. Sou muito apaixonada nelas (as alunas). Nos envolvemos como família, eu conto tudo da minha vida para elas.”

 

A relação entre elas é muito mais do que professora e aluna. “O melhor de tudo é ter prazer no que se faz, eu ganho muito mais no carinho delas. A Penha (uma das alunas mais antigas) vem todos os dias e tem o maior carinho comigo. Ela vai à feira traz um docinho, traz bolo e me dá de presente. Frequentemente, ela vai para Maceió, sempre compra bolsas para mim, já devo ter mais de 10. Tem esse afeto, isso é o que mais vale, a amizade, ter as pessoas que gostam da gente.”

O arraiolo como projeto social

Mesmo com a desvalorização dessa arte e com o desconhecimento dessa produção em Juiz de Fora, o arraiolo ultrapassou as paredes do ateliê. “Já fiz projeto social no bairro Retiro com apoio do Lyons Club, eles ofertavam o material e ensinamos para muitas mulheres o ponto arraiolo. Uma parte da turma era responsável por trazer as peças para vender no Parque Halfeld, mas devido a desvalorização do trabalho manual, as peças não tinham muita saída e as pessoas foram desanimando, elas queriam ver o retorno”. Porém, outras pessoas são beneficiadas até hoje, como portadores de necessidades especiais. Ana Paula usou o ponto como uma forma de ajudar e apresentou um novo jeito de ver a vida. Durante dois anos, ela trabalhou a convite de uma ex-aluna em um grupo de assistência a enfermos na cidade. Nesse trabalho, ela conheceu Márcio Alves, conhecido como Marcinho, ele tem paralisia e apesar das dificuldades para executar o ponto, desde que aprendeu não parou mais. Marcinho tem o ponto como forma de renda.

 

A técnica em si

Para a fabricação dos tapetes não é preciso muita técnica, a habilidade ajuda o tecer dos pontos. “Algumas pessoas me perguntam quantas aulas são necessárias para aprender fazer um tapete arraiolo e eu respondo que isso vai da habilidade de cada um. É entender o processo de não virar, de dar um arremate certo, de entender que o avesso tá perfeito, como sobe, como desce e assim vai.” O tapete tem uma técnica, a barra é em uma posição, o centro é em outra, todo final de carreira o ponto deve ser fechado, pontos de fechar, pontos de contornar, entre outros. “Isso não é uma receita, não dá pra pegar na internet, tem que ter uma vivência, é aos poucos”, acrescenta.

A viagem para arraiolos

O ponto arraiolo existe desde o século XVII com origem na vila, Arraiolos, em Portugal e desde então tornou-se uma cultura e tradição no país. A influência oriental deixou os seus traços nas características do arraiolo: muitas cores e ponto bem marcados. Na vila pode se encontrar um acervo vasto em um museu com tapetes enormes e seculares bordados à mão pelas portuguesas e portugueses. Antigamente as mulheres bordavam com linho. O bordado veio para o Brasil com a imigração portuguesa e, hoje, apesar da produção ser em menor escala, na cidade de Diamantina é possível encontrar mulheres que trabalham por horas e horas com as mãos nas lãs e traçando os pontos.

 

Ana Paula teve a oportunidade de conhecer a vila em dezembro de 2014 quando foi visitar sua filha Isa em Portugal. A estadia pelo intercâmbio, em Évora, permitiu que a artesã realizasse um de seus sonhos de conhecer toda a origem de seu trabalho e isso a deixou completamente emocionada. “A Isa foi para Portugal estudar e eu aproveitei a oportunidade de ir. O tempo dela ficar lá se estendeu e eu não podia perder essa chance. Eu vi tapetes com 120 metros, lá eles não riscam o desenho, eles fazem no olho. Eu fiquei muito feliz de estar lá, eu só via tapetes nas ruazinhas. O meu sonho era visitar essa cidade. Eu fiquei encantada.”  

Mais do que patrimônio

O ponto arraiolo sempre foi uma base na vida de Ana, trabalhar com essas senhoras a motivou a continuar. “É isso que me sustentou, me ajudou a vida inteira. Nunca falarei: ai que raiva, tenho 25 anos de tapete, até mais, e eu não tenho um patrimônio, mas como que eu não tenho patrimônio? Meus filhos estão criados, todos estudados e foi só através do tapete, teve uns 8 anos que o Zé Carlos trabalhou junto comigo no tapete, ele também trabalhava na loja. Quando a gente tinha a loja era meio sem compromisso, as pessoas iam aprendiam, faziam, ele que ajudava, ensinava também, ele que ficava a frente.”  

 

Apesar das adversidades e de tudo que viveu, Ana não deixa de olhar com leveza e alegria o mundo. O ponto Arraiolo foi uma sustentação em sua vida, mas, mais do que ser sustentada por isso, Ana sempre teve sua determinação e resiliência.

“O melhor de tudo é podermos compartilhar, estar juntos; nem tudo nessa vida tem que ser pago. A pessoa não ter prazer no que faz é muito triste. O melhor em nós é sermos felizes."

O trabalho manual exige dedicação e muito envolvimento. Dependendo do tamanho do tapete, os bordados podem demorar mais de um ano para serem finalizados. Devido a arte ser trabalhosa, os artesãos não conseguem cobrar o valor merecido por todo esforço empenhado desde à escolha do desenho, lãs até a finalização dos pontos. As pessoas não pagam e não valorizam esse tipo de arte da forma que deveria. A partir disso, muitos optam por fazer para o próprio uso ou para presentear amigos e familiares. Por esse motivo, a arte dos tapetes portugueses não é tão divulgada e muitas pessoas perderam o contato.

 

O ateliê de Ana Paula chama-se ArtesMil e fica na Rua São João, n° 33, Juiz de Fora, MG. As aulas são de segunda a quinta, de 14h às 17h.

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