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Barreiras invisíveis 

O céu é o limite?

Foto: Twin Alvarenga / UFJF

por Gabriel Duarte e Madalena Costa

Em meio a orientações e experimentos de física, Zélia ainda acha tempo para dar atenção a todos que querem saber um pouco sobre sua trajetória. É em seu laboratório no Departamento de Física da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), repleto de trabalhos acadêmicos e equipamentos misteriosos, aos olhos leigos, que ela recebe os inúmeros interessados em ouvi-la. Naquele dia, éramos os terceiros.

Nascida em Ituiutaba, Minas Gerais, Zélia Maria da Costa Ludwig viveu a maior parte de sua infância e juventude em Francisco Morato, um pequeno município, localizado na Região Metropolitana de São Paulo. O pai, torneiro mecânico, e a mãe, dona de casa, lutaram muito para que Zélia e sua irmã recebessem uma boa educação. Foi pensando nisso que a família se mudou de Minas Gerais, em busca de uma melhor condição de vida.

A profissão do pai despertou o interesse de Zélia para a Física. "Tem muitas máquinas aqui que foi meu pai quem fez", ela diz orgulhosa. Duas dessas máquinas ocupam lugar de destaque no balcão do laboratório, uma para polir vidros e outra que Zélia hesita em explicar, por ainda ainda estar em processo de patente.

“O que você dá pra criança é um estimulo para o que ela vai ser”, comenta a cientista sobre as enciclopédias de ciência ilustrada que lia quando era pequena e guarda até hoje. Ela era fascinada por reações químicas, cristais e ficção científica. O gosto pela área de exatas a levou a cursar Física na Universidade de São Paulo (USP), onde também fez Mestrado em Tecnologia Nuclear e seu Doutorado em Ciências Físicas.

 

A distância entre sua casa e a faculdade, de trem, era de mais de duas horas. Zélia a percorreu durante todos os anos de sua graduação. A pesquisadora reflete sobre a importância das políticas de assistência estudantil e o avanço das Universidades nesse aspecto, já que, na época, sua rotina exaustiva pouco era recompensada pela instituição. "Não basta você chamar as meninas para fazer ciência, é preciso incentivar e manter elas dentro da Academia. Elas não podem ir embora!"

 

Por último, a professora realizou seu pós-doutorado na Universidade de São Paulo na área de materiais vítreos. Sua carreira acadêmica a trouxe de volta a Minas Gerais, quando Zélia começou a lecionar na Universidade Federal de Juiz de Fora.

Zélia interrompe a entrevista por um instante, enquanto auxilia Laryssa, sua orientanda de mestrado, com uma máquina de laser que produz espectros ópticos de materiais, como o plástico da garrafa PET.

As experiências da professora na área de Física têm ênfase em Propriedades Óticas e Espectroscópicas de Materiais Cerâmicos, com ênfase em Materiais Vítreos Nanoestruturados. A cientista caracteriza e produz materiais para a fabricação de dispositivos fotônicos e optoeletrônicos, responsáveis por gerar, ampliar, detectar e controlar a luz.

 

Com seus estudos, a pesquisadora construiu uma carreira internacional: participou de programas de visitantes do Max Planck de Dresden, na Alemanha, e do Materials Research Center na Universidade de Missouri, nos Estados Unidos; e ainda esteve um período como pesquisadora convidada no Centro Internacional de Física Teórica (ICTP), na Itália.

 

Além de lecionar física e pesquisar, a professora entrou para um grupo seleto de cientistas que contribuíram com a Nasa na construção de uma plataforma lunar. O projeto consistia na criação e caracterização de uma estrutura de vidro ultrarresistente que se assemelhasse com o piso lunar.

 

Cientista, professora, pesquisadora, esposa e mãe, Zélia ainda tem fôlego para revisar periódicos internacionais, como o Journal of Non-Crystalline Solids, Radiation Measurements e o Nuclear Instruments and Methods. Ela também é membra da Sociedade Brasileira de Física e coordena três projetos: na área de novos compostos envolvendo fibras de vidro e fibras naturais para emprego em indústrias, na área de materiais vítreos para aplicações em laser e, por fim, em Estudos Interdisciplinares sobre Gênero, Raça, Ciência e Sociedade para discutir a igualdade e os direitos das minorias nas escolas.

"O pessoal tem mania de fazer estereótipo, de achar que ciência não é coisa de menina, que matemática não é pra mulher."

Infelizmente, todas as conquistas de Zélia ainda não parecem suficientes para barrar a discriminação, não apenas no meio científico, como também dentro de sala. "Será que ele faria isso com o professor homem, que ele considera 'top'?", é a resposta que ela tem ao narrar um episódio recente em que um estudante a julgou incapaz de ensiná-lo.

Recentemente homenageada com o Mérito Comendador Henrique Halfeld, Zélia integra o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e foi uma das convidadas para o fórum "Elas nas exatas", organizado pela ONU Mulheres. Além disso, ela é porta-voz das dificuldades e dos méritos de mulheres na área acadêmica, através de sua página Mulher, Ciência e Sociedade, organizada junto com alunas.

 

Mesmo com sua extensa carreira internacional, a pesquisadora ressalta a importância de voltar às origens. "Os conhecimentos dos afro-descendentes, quilombolas e indígenas são conhecimentos riquíssimos", afirma Zélia. Além de sua experiência na ONU, onde teve contato com mulheres de diversos grupos étnicos, o que desperta esse comentário é a lembrança de sua visita à uma escola pública no bairro Linhares, em Juiz de Fora, através do projeto "A ciência que fazemos", desenvolvido pela Diretoria de Imagem Institucional da UFJF (abaixo).

Fotos: Twin Alvarenga / UFJF

Estando apenas a alguns metros de um equipamento comprado com o próprio dinheiro, a professora não só questiona os desafios da produção científica no Brasil, como também o lugar no qual as próprias instituições de ensino se colocam quando o assunto é a aproximação com a sociedade. Para ela, não adianta usar a população apenas como objeto de estudo, é necessário envolvê-la na ciência. "A gente tem que levar a informação onde o povo está", ela reforça.

Com um sorriso no rosto, Zélia relembra um embate recente que teve dentro de seu próprio departamento, quando o arsenal utilizado para desarmar o preconceito do oponente foi o seu humor. Esse sorriso é um reflexo da visão otimista que ela tem do futuro. Lado a lado com sua mestranda Laryssa Luiza Rodrigues, ela acredita que a próxima geração de mulheres negras já irá encontrar caminhos para uma ciência mais inclusiva.

"Agora, se a próxima geração continuar olhando para a moça da limpeza, que é negra e que não teve oportunidade de estudar, e fazer de conta que ela é invisível, vocês estão com o poder na mão e estão fazendo absolutamente nada!"

Em determinado ponto da entrevista, Zélia nos questiona se já tínhamos reparado nos meninos que brincam com carrinho de rolimã nos portões da Universidade. Antes de seguir, às pressas, para ajudar a mestranda nos experimentos, ela chama atenção para o que a Academia tem a aprender se olhar apenas alguns palmos para fora dos limites do campus:

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